GIRO PELO BRASIL: "FERGUNSON CAIPIRA" TÉCNICO RESISTE A 10 ANOS NO CARGO NA 4° DIVISÃO DO SP.
Luiz Carlos Vilela, do Elosport (Foto: Emilio Botta) |
A rotatividade de treinadores nos clubes brasileiros é intensa. São raros os comandantes que conseguem ficar por várias temporadas à frente de uma equipe. Essa “cultura” do futebol nacional é quebrada quando o assunto é o Elosport, time que disputa a Segunda Divisão de São Paulo - mas que, na prática, equivale à quarta e última divisão do futebol paulista.
como treinador da mesma equipe, o Elosport. No total, somando passagens anteriores, são 17 temporadas no comando da equipe fundada em 1993.Em Capão Bonito, cidade a cerca de 230 quilômetros de São Paulo, um treinador tem feito história. Luiz Carlos Vilela completa, em 2015, 10 anos ininterruptos
A situação, claro, é inusitada. E Vilela não vê como aplicá-la num clube de elite.
– É difícil. Essa fórmula aqui no Brasil não existe, de um treinador ficar muito tempo em um clube. Aconteceu com o Muricy, Tite, mas não é comum. Eu acredito estar aqui pela condição do clube e outra pelo presidente, que só ele pode responder. A bola mágica não existe no Brasil.
Vilela é um dos inúmeros personagens que a Segundona paulista possui, como os veteranos Müller e Viola, que defendem respectivamente Fernandópolis e Taboão da Serra.
Conheça abaixo a história do treinador mais "prestigiado" do futebol brasileiro:
O "FILHO" ELOSPORT
As lembranças dos anos dedicados ao Elosport emocionam Luiz Carlos Vilela. Nascido em São Paulo e ex-jogador de futebol, o treinador chegou ao clube em 1995 após convite de um irmão de Zé Maria, ex-lateral do Corinthians.
Mas a relação de amor entre Vilela e Elosport teve seus momentos de crise. Em duas oportunidades, o treinador deixou a equipe por divergências com a direção, que é a mesma desde a fundação do clube.
Em 1999, ele foi consultor técnico das categorias de base do Palmeiras. Em 2003, treinou o Toledo-PR. A distância do Elosport, porém, não durou mais do que dois anos.
– Eu deixei o clube duas vezes e vieram atrás de mim para retornar. O clube chegou a encerrar suas atividades em 2004. No último retorno, coloquei minhas condições para o presidente e, desde então, não saí mais e também não tenho pretensão de deixar o time. Eu me sinto em casa quando estou no clube. Como eu aguento ficar aqui? Isso eu não consigo te responder. É como se o time fosse meu filho, é a minha vida. Hoje, tudo o que eu faço é para o Elosport. Tenho minha família, mas eu vivo mais aqui dentro do clube que na minha casa. Minha esposa reclama muito que eu não saio daqui.
A relação com o torcedor, segundo Vilela, é pacífica. Mesmo sem ter conquistado um título ou ao menos um acesso com a equipe, o treinador é querido pela torcida, que brinca com o fato de nunca ter tirado o clube da quarta e última divisão do futebol paulista.
– Em 2009 tínhamos certeza que o time iria subir de divisão, mas, com o andar da carruagem, como se diz no interior, acabamos perdendo jogadores por lesão, desgaste físico e acabamos não conseguindo subir. O torcedor não entende que não temos a estrutura adequada como grandes times têm. Não tenho médico, nutricionista, massagista, academia, e tenho de comprar muitas coisas com meu próprio dinheiro. Montei um time bom esse ano, mas não posso afirmar que vamos subir, pois não temos uma retaguarda. O torcedor acha que o Vilela não quer subir o time – diz o treinador.
Em cinco partidas no torneio deste ano, o time de Capão Bonito venceu duas, empatou outras duas e perdeu outra, ocupando a quinta posição do Grupo 2, com oito pontos (clique aqui e veja a tabela). Os quatro melhores classificados de cada uma das três chaves se classificam para a próxima fase da competição. No domingo, às 10h, o Elosport visita o Palmeirinha, em Porto Ferreira.
"FERGUSON CAIPIRA"
Apelidado de "Ferguson caipira" - em alusão ao ex-treinador do Manchester United, que treinou a equipe inglesa por 1.500 jogos em 27 anos -, Vilela pensa em alcançar os números do escocês, mas o grande objetivo é conquistar o acesso à Série A3 do Campeonato Paulista. Em quase duas décadas no clube, o treinador não conquistou nenhum título.
– Esse apelido surgiu quando o Elosport formou um time muito forte entre 2009 e 2010. Nesse campeonato, nós atropelamos todo mundo na quarta divisão, mas, quando chegou à fase final, faltou perna e não conseguimos subir. Por ter montado esse time e pelo tempo de trabalho, esse apelido surgiu. Aceito naturalmente e se eu puder quebrar o recorde dele aqui, enquanto eu aguentar vou brigar por isso. Meu sonho é conseguir o acesso.
Ferguson conquistou 13 vezes o Campeonato Inglês pelo Manchester United. Já Vilela não sabe o que é título
Assim como a lenda do futebol inglês, que também atuava como manager, Vilela é jardineiro, faz compras para manter os jogadores no alojamento, cuida do gramado e ataca até de pintor, quando o clube reformou as arquibancadas do estádio Dr. José Sidney Cunha, que tem capacidade para 6 mil pessoas.
– Eu ajudo na medida do possível. Arrumo patrocínios, trago jogadores e faço praticamente tudo. Tenho salário apenas como treinador e não recebo nada pelas outras funções que exerço. Meu salário de treinador não tem nessa divisão, pois estou há muito tempo aqui em Capão Bonito.
HERNANE BROCADOR: A REVELAÇÃO
A maior revelação dos 22 anos de história do Elosport é o atacante Hernane. Com passagem pelo Flamengo, e atualmente defendendo o Sport, o Brocador assinou o primeiro contrato da carreira aos 21 anos, na equipe de Capão Bonito.
Primeiro registro de Hernane Brocador como jogador profissional foi no Elosport, em 2007 (Foto: Daniel Marques)
Na época, o atacante, que tinha vínculo assinado por cinco anos, recebia salário de R$ 300. Após se destacar em um campeonato amador, Hernane recebeu proposta de R$ 1.500 por mês e acabou deixando o clube.
– O Hernane chegou aqui através de um amigo meu, em 2007. Eu avaliei ele, vi qualidade e na época fiz contrato de cinco anos. Vi potencial em um jogador que teria futuro, mas o campeonato já tinha acabado e acabou atuando no time amador. Ele arrebentou. No outro ano, na hora de começar o trabalho, o procurador acabou colocando ele em outro lugar – diz Vilela, lamentando que a passagem do Brocador pelo Elosport tenha durado apenas uma temporada.
Depois de brilhar em Capão Bonito, o atacante chegou a assinar com o São Paulo, onde não jogou no profissional - ele foi emprestado para Rio Preto, Toledo e Paulista de Jundiaí. Hernane ainda passou pelo Paraná, até ser artilheiro do Campeonato Paulista pelo Mogi Mirim, em 2012, e ser negociado com o Flamengo. Após breve passagem pelo Al-Nassr, da Arábia Saudita, o "Brocador" atuará pelo Sport na Série A do Brasileiro.
– O Muricy Ramalho é um grande treinador, mas não aproveitou o Hernane no tempo em que ele esteve treinando no São Paulo, em Cotia. Foi negociado pelo Flamengo para a Arábia Saudita, e nós estamos esperando até hoje cerca de R$ 20 mil por sermos o clube formador, mas o que nos foi passado é que os árabes não pagaram o valor da compra. Na única vez que iríamos ganhar dinheiro com alguma negociação, aconteceu isso – diz Vilela, lamentando o calote.
O TÉCNICO MAIS PRESTIGIADO DO BRASIL
É comum dirigentes do futebol brasileiro utilizarem o termo "prestigiado" para justificar a permanência de alguns técnicos após maus resultados. Com o longo período no cargo, Vilela admite ser "o treinador mais prestigiado do país" e brinca com o fato de todo brasileiro considerar-se técnico de futebol.
– Eu não sei até quando (vão me manter no cargo). Também não sei se vou aguentar, porque a carga de trabalho não é fácil. Time pequeno, sem dinheiro, a estrutura não é das melhores... Um dia o presidente pode chegar e dizer que não me aguentam aqui mais como técnico. No Brasil todo mundo é treinador, mas o dia a dia só a gente sabe como funciona.
Uma das fórmulas para a longevidade no comando de uma mesma equipe, segundo Vilela, é o diálogo. O treinador diz ter perdido a conta de quantas vezes o presidente do clube foi até o vestiário reclamar do desempenho dentro de campo.
– O próprio presidente algumas vezes vem falar comigo, depois do jogo, coisas que eu não aceito, mas que acabo tolerando. É coisa de torcedor, o presidente do São Paulo fala besteira, o de outros clubes também, mas é algo normal. Depois de uma semana ele volta, a gente senta, conversa e resolve tudo.
Fonte: Emilio Botta Capão Bonito, SP
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