sexta-feira, 27 de setembro de 2013

BRASIL A FORA: TIME COM PASTELEIRO ENCARA 30.000 KM E TEM SONHO ADIADO

Serie D - Irisvaldo (Foto: Cahê Mota/Globoesporte.com)

No Plácido, panificadora é vestiário, e técnico, policial militar. Com atraso nos salários, 'guerreiros' do Tigre fazem melhor campanha acreana na Série D

 Por: João Paulo Maia/Amazonas.

Um time que tem uma panificadora como vestiário, um lateral que é vendedor de salgados e um estreante técnico policial militar pode ir longe numa competição nacional? O Plácido de Castro, clube do interior do Acre, provou que pode não fazer feio. Com quatro meses de salários atrasados e sem grandes reforços, a equipe da fronteira fez a melhor campanha da história do futebol acreano na disputa do Campeonato Brasileiro da Série D, chegando até as quartas de final. O time saiu em oitavo lugar - foi eliminado pelo Salgueiro-PE após empate por 1 a 1 no jogo de ida e derrota por 3 a 1 na volta. O sonho de subir à Série C foi adiado, mas quem vive de perto os problemas comemora a evolução. De longe, fica difícil imaginar o que o time enfrentou. Desde a estrutura até as longas viagens. Afinal, foram quase 30.000km percorridos durante a competição.

O que não falta no Tigre do Abunã, principal alcunha, são histórias. Os jogadores e a comissão técnica ganharam 'fama' de 'guerreiros do Tigre'. Não foi à toa. No elenco, tem jogador pasteleiro e atletas com dupla jornada para se sustentar. Na beira do campo, conta com um comandante inusitado: o técnico PM dirigiu, pela primeira vez, uma equipe profissional.
Irisvaldo Alves de Souza, o Íris, 35 anos, atua na lateral direita da equipe da fronteira. Titular absoluto, ele foi um dos destaques do time no Estadual e também na Série D. Mas fora de campo ele ‘joga’ muito bem em outra profissão. Para ajudar no sustento da família, o jogador produz e vende pastéis, onde fatura cerca de dois salários mínimos. Uma história cheia de dor, esperança e um sonho realizado.
- Só com o futebol não dá para se manter porque os clubes não têm estrutura. O único time que tem condições de pagar bem os atletas é o Rio Branco. Ganho pouco, mas me sinto realizado no futebol. Sempre quis jogar em um clube grande, mas não sou mais tão jovem e estou feliz em jogar pelo Plácido de Castro.
Jogadores do Plácido de Castro entram em campo no estádio Florestão (Foto: João Paulo Maia)Plácido de Castro entra em campo no Florestão: estádio recebe até 8 mil pessoas  (Foto: João Paulo Maia)
Íris nasceu em um seringal na fronteira com a Bolívia, e sua família fixou residência no interior do Acre logo depois. Um menino que sonhava em ser jogador de futebol de repente viu tudo perder o sentido e a razão. Um fato que mudou sua trajetória e o fez desistir de jogar bola.
- Meu pai trouxe a gente para a cidade, e o nosso sonho era que eu virasse jogador de futebol. Quando eu tinha 13 anos, ele nos levou para uma pelada. Durante o jogo ele se desentendeu com um cara e foi esfaqueado dentro de campo. Ele morreu nos meus braços. Meu sonho acabou ali - contou o lateral, que veste a camisa do Plácido desde o primeiro ano do clube no futebol profissional.
Nilton Nery, técnico do Plácido, comanda treino no Ferreirão (Foto: João Paulo Maia)Nilton Nery, técnico do Plácido, comanda treino no
Ferreirão (Foto: João Paulo Maia)
Técnico, policial e um desafio
Há 28 anos trabalhando como policial militar, Nilton de Souza Nery, 46 anos, encarou um desafio na carreira em 2013: ser o treinador do Plácido. Deu certo. O técnico foi escolhido o melhor do Estadual e é tido como uma unanimidade no clube do interior. Mas a relação entre Nilton e o Plácido começou em 2011.
- Meu primeiro jogo como técnico mesmo foi em 2011, em Cruzeiro do Sul. Eu era auxiliar do Neneca, que caiu, e fui chamado para ser interino naquele jogo contra o Náuas, pelo Estadual. Ganhamos por 4 a 1. Depois disso não tinha como concicliar o trabalho de policial e o de técnico. Então, fiquei como auxiliar do Luís Carlos durante dois anos.
Nery conseguiu conciliar os dois cargos na disputa do Campeonato Acreano deste ano e pediu licença para comandar o time durante a Série D. Agora, porém, ainda não sabe o que o futuro lhe reserva.
- Continuar só como técnico não tem como, vou ter que conciliar as duas coisas ou ficar somente como policial. Vou ter um mês de férias agora, terei uma conversa com o comandante e vou tentar me organizar com isso.
30.000km de aventura pelo Brasil
Não foram só a falta de pagamento e estrutura que os jogadores do Plácido enfrentaram. Entre o município, localizado a cerca de 95km de Rio Branco, e os locais das seis partidas fora de casa (Boa Vista, Manaus, Porto Velho, Paragominas, Gurupi e Salgueiro), percorreram 29.410km rodados. Um caminho cheio de alegrias, tristezas e muitas histórias para contar.
Em uma dessas viagens, a delegação acreana encarou longas horas de esperas em aeroportos, e, acredite, já ficou no meio da estrada. Quando o time foi de ônibus enfrentar o Genus, de Rondônia, ainda pela primeira fase, um protesto bloqueou a BR-364, estrada que liga os dois estados, e os jogadores tiveram que esperar cerca de 6h para seguir viagem.
Jogadores do Plácido de Castro na BR 364 (Foto: Reprodução/TV Acre)Jogadores do Plácido de Castro na BR 364 (Foto: Reprodução/TV Acre)
Apesar de tudo, essa foi a melhor campanha da história na competição. Em três participações, o futebol acreano nunca tinha chegado à segunda fase da Série D. Na primeira, em 2010, o Náuas fez uma campanha ruim: um empate e cinco derrotas em seis jogos. Em 2012, o Atlético Acreano, representante do estado, terminou a competição em 18º lugar, com quatro vitórias, um empate e três derrotas em oito jogos. No anterior, o Plácido de Castro ficou em 21º lugar, com três vitórias, três empates e duas derrotas em oito partidas.
Em 2013, o Tigre terminou a Série D na oitava colocação, com cinco vitórias, dois empates e cinco derrotas em 12 jogos, chegando às quartas de final da competição.
Jogadores do Plácido de Castro usam panificadora como vestiário (Foto: Reprodução/TV Acre)Jogadores do Plácido de Castro usam panificadora
como vestiário (Foto: Reprodução/TV Acre)
Sonho adiado
Fundado em novembro de 1979 e profissionalizado em 2008, o clube tem uma panificadora alugada como vestiário, que fica a cerca de 100m do local de treinamento. Com apoio apenas da prefeitura do município, o Tigre não tem muita estrutura e treina no inacabado estádio José Ferreira, o Ferreirão, o único da cidade que tem cerca de 19 mil habitantes. A dívida em salários hoje chega a quase R$ 300 mil.
Josué Carvalho, presidente do Plácido, avaliou a participação da equipe na 4ª Divisão. Entre a satisfação de ter surpreendido os desacreditados e a frustração de não ter chegado à Série C, o dirigente espera um futuro promissor ao Tigre do Abunã.
- Nossa participação foi ótima, faltou investimento. Se tivéssemos investido mais, teríamos subido, mas não tivemos ajuda de ninguém. Agora é se programar para o futuro. Continuamos com o mesmo objetivo. Não esperava tanto devido a nossa dificuldade financeira. Aproveito para parabenizar o elenco. Infelizmente não conseguimos - analisou.
Para o Plácido de Castro, atual campeão acreano e um dos representantes do estado na Copa do Brasil de 2014, o sonho não acabou. Foi apenas adiado.
Plácido de Castro, campeão acreano 2013 (Foto: João Paulo Maia)Plácido de Castro, campeão estadual de 2013 e melhor acreano na Série D do Brasileiro (Foto: João Paulo Maia)
Trajetória do Plácido na Série D
Plácido-Rio Branco - Manaus: 95 + 1.445 = 1.540km
Plácido-Rio Branco - Porto Velho - Manaus - Boa Vista: 95 + 544 + 901 + 785 = 2.325km
Plácido-Rio Branco - (ônibus) Porto Velho: 95 + 544 = 639km
Plácido-Rio Branco - Belém - (ônibus) Paragominas: 95 + 2333 + 300 = 2.728km
Plácido-Rio Branco - Gurupi: 95 + 3553 = 3.648km
Plácido-Rio Branco - Salgueiro: 95 + 3160 = 3.255km
Seis jogos em casa: 95 + 95 + 95 + 95 + 95 + 95 = 560km 
Total: 14.705km x 2 (ida e volta) = 29.410k
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